quinta-feira, 15 de maio de 2008

TRABALHO RURAL CONTA-SE DOS 12 ANOS DE IDADE

DECISÃO DA JUSTIÇA SOBRE APOSENTADORIA RURAL

Revista Consultor Jurídico (08/07/2008)


Aposentadoria Rural: Atividade é contada a partir dos 12 anos
É admitida, para fins previdenciários, a contagem de tempo de serviço a partir dos 12 anos de idade. A conclusão é da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao acolher ação rescisória proposta por uma trabalhadora rural do Rio Grande do Sul contra o INSS.
Após falhar a tentativa de se aposentar judicialmente, por falta de tempo suficiente, a trabalhadora solicitou e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu o seu direito à averbação do tempo trabalhado em regime familiar, sem a necessidade de recolhimento de contribuição previdenciária no período de 1965 a 1977.
O INSS recorreu, então, ao Superior Tribunal de Justiça. Conseguiu reverter o entendimento favorável à autora. Segundo a decisão da 5ª Turma, a trabalhadora não poderia computar o tempo de serviço rural anterior à Lei 8.213/91 para fins de contagem recíproca de tempo de serviço rural e urbano e para se aposentar por tempo de serviço, sem a respectiva contribuição.

Na Ação Rescisória dirigida também ao STJ, a trabalhadora afirmou que o caso não trata de contagem recíproca, expressão utilizada para definir a soma do tempo de serviço público ao de atividade privada, para a qual não pode ser dispensada a prova de contribuição. O que se discutia no recurso era o direito de a autora averbar o trabalho rural a partir da data em que completou 12 anos de idade, no dia 2 de maio de1965, até 31 de janeiro de 1977, o que foi reconhecido pelo TRF. A trabalhadora sustentou, então, que a decisão do STJ no Recurso Especial deveria ser rescindida para fazer valer a decisão do tribunal.
A Ação Rescisória foi aceita. “A contagem recíproca é, na verdade, o direito à contagem de tempo de serviço prestado na atividade privada, rural ou urbana, para fins de concessão de aposentadoria no serviço público ou, vice-versa, em face da mudança de regimes de previdência — geral ou estatutário”, reconheceu a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora da ação.

A ministra acrescentou que não se pode confundir tal tese com a da trabalhadora. “A segurada sempre prestou serviço na atividade privada e pretende a averbação do tempo de serviço trabalhado como rural a partir dos seus 12 anos de idade.”

Após reconhecer o direito à averbação, foi examinada a questão sobre a contribuição. Segundo observou a relatora, a aposentadoria por tempo de serviço é regida pelos artigos 52 a 56 da Lei 8.213/91, que incorporou no seu plano de benefícios todos os trabalhadores rurais ao regime geral da previdência social.
“Com a conversão da medida provisória 1.523 na Lei 9.528/97, a redação original do artigo 55, parágrafo 2º, da lei de benefícios, restou definitivamente estabelecida, assegurando-se a contagem do tempo de serviço rural para fins de aposentadoria em atividade urbana, independentemente de contribuição relativa àquele período”, concluiu Maria Thereza de Assis Moura.

Ficou, então, confirmado o direito ao cômputo do trabalho rural, a partir do dia 2 de maio de 1965, sem recolhimento de contribuições previdenciárias, conforme ficou decidido pelo TRF. AR 3.629


Leia o acórdão e o voto de Gilmar Mendes

15/02/2005

SEGUNDA TURMA

AGRAVO DE INSTRUMENTO 529.694-1 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR - MIN. GILMAR MENDES

AGRAVANTE(S) - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

ADVOGADO(A/S) - PATRÍCIA LIMA BATISTA RODRIGUES

AGRAVADO(A/S) - ELISEU VALDIR GROHE

ADVOGADO(A/S) - SANDRA ERNESTINA RÜBENICH

EMENTA: Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de violação aos arts. 5°, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.05.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Carlos Velloso (RISTF, art. 37, II), na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de agravo de instrumento, nos termos do voto do relator.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005.

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - (Relator):

O acórdão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça está assim ementado (fl. 158):

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO POR MENOR DE 14 ANOS. QUESTÃO NOVA.

I - Versando a quaestio acerca da possibilidade de averbação do período trabalhado por menor de 14 anos, para fins previdenciários, e pelo art. 55, § 2°, da Lei n° 8.213/91 determinar o cômputo do tempo de serviço do trabalhador rural, independente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes (não para contagem recíproca), a e. Terceira Seção, entendendo que a limitação etária para atividade laborativa é imposta em benefício do infante, pacificou o entendimento de que comprovado o exercício da atividade empregatícia rural, abrangida pela Previdência Social, por menor de 14 anos, é de se computar esse tempo de serviço para fins previdenciários.

II - Não se presta o instituto do agravo regimental para sanar omissão apontada na decisão agravada. Ademais, verifica-se que o agravante levantou questão nova, e, portanto, incabível de ser suscitada em sede de agravo regimental.

Agravo regimental desprovido.”

O agravante, Instituto Nacional do Seguro social – INSS, interpôs recurso extraordinário de fls. 161/169, no qual sustenta:

“Pois bem, o Colendo STJ, ao dar provimento ao recurso especial, reconhecendo o cômputo do tempo de serviço prestado por menor de quatorze anos, afastou, por meio de órgão fracionário, a norma inserta no art. 11, VII, da Lei n° 8.213/91, que, a contrario sensu, exclui do menor de 14 anos a qualidade de segurado especial. Assim, a lei não reconheceu ao menor de 14 anos direitos previdenciários.

Atento à negativa de vigência do mencionado dispositivo legal, a Autarquia Previdenciária interpôs agravo regimental, a fim de que o caso fosse levado a plenário. Não obstante, o recurso restou rejeitado, sob o argumento de que não se negou a constitucionalidade da referida norma, mas que a mesma foi afirmada.

Não se conformando com o afastamento do art. 11, VII, da Lei n° 8.213/91 e coma violação ao art. 97 da Constituição Federal, o INSS vem interpor o presente apelo extraordinário, com base no art. 102, III, alínea "a", da Constituição Federal.

3.3. Violação ao artigo 5°, XXXVI, da CF/88

Além do disposto no art. 97 da Constituição Federal, também foi ofendido o art. 5°, inciso XXXVI, como veremos.

Com efeito, o exercício de trabalho rural, no regime de economia familiar, por filhos do produtor, parceiro, meeiro, arrendatário rural, garimpeiro, pescador artesanal ou assemelhado (art. 11, VII da Lei 8.213/91), somente passou a ser reconhecido como trabalho após o advento da Lei 8.213/91.

Antes da Lei 8.213/91, os filhos dos segurados especiais não eram considerados segurados, mesmo que eventualmente ajudassem no trabalho, a não ser que tivessem contribuído como autônomos. Como não contribuíram, o tempo que alegam ter trabalhado não pode ser considerado.

Demonstrado, então, que o menor de 14 que trabalha com a família no campo somente passou a ser considerado segurado após o advento do art. 11, VII da Lei 8.213/91. Antes ele não era segurado. A contagem recíproca do tempo de serviço e a extensão de outros benefícios previdenciários não existia antes. Assim, se, no tempo em que trabalhou com menos de 14 anos em regime de economia familiar, o indivíduo não era considerado segurado, não pode agora ter direito a contar este tempo de serviço, pois não contribuiu como segurado e não era, à época, considerado beneficiário da previdência social.

A Lei Complementar nº 11/71, que definiu o conceito de regime de economia familiar como "o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração" (art. 3º, § 1º, b), estabelecia em seu art. 4º que "Não será devida a aposentadoria a mais de um componente da unidade familiar, cabendo apenas beneficio ao respectivo chefe ou arrimo".

Fica claro, então, que somente com a Constituição de 88, regulamentada pelo art. 11, VII, da Lei 8.213/91, é que o filho do chefe da unidade familiar passou a ter também direito a aposentadoria e mesmo assim, somente após completados 14 anos.

Antes do advento da Lei 8.213/91, o filho do rurícola que trabalhava em regime de economia familiar, sem contribuir para a previdência, não era segurado, não tinha direito a contar tempo de serviço para aposentadoria. E a Lei 8.213, no seu art. 11, VII, reconheceu este direito somente aos filhos maiores de 14 anos.

Assim não de pode dar aplicação retroativa da Lei 8.213/91. O autor não tem direito adquirido ao computo de tempo de serviço porque não era segurado da Previdência Social. E mesmo se aplicando a Lei 8.213/91, somento pode ser computado o trabalho de maior de 14 anos.

Há que se perceber, também, que o direito ao trabalho nada tem a ver com o direito à previdência social. A regra constitucional que veda o trabalho do menor protege os direitos trabalhistas dele, não os direitos previdenciários. Os direitos oriundos da relação trabalhista dizem respeito aos direitos que o trabalhador pode exigir do empregador. Por outro lado, os direitos previdenciários não surgem simplesmente da relação trabalhista, mas da relação entre o indivíduo e a previdência social. Se o trabalhador não é segurado da previdência social, não se inscreveu no INSS, não existe relação entre aquele e esta, logo não pode o não-segurado exigir direitos da Previdência Social. Principalmente quando se trata de trabalho em regime de economia familiar, para o qual a lei não previa direitos previdenciários sem a respectiva contribuição.”

Contra a decisão que negou processamento ao recurso extraordinário, foi interposto agravo de instrumento.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - (Relator):

Preliminarmente, não houve violação ao art. 97, da Carta Magna. Com efeito, ao apreciar a questão, o Superior Tribunal de Justiça não declarou a inconstitucionalidade do art. 11, VII, da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.

Ademais, a tese esposada pelo Tribunal está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende do julgamento do AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.05.86 e do julgamento do RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86, o que por si só afastaria a incidência do artigo 97, da Carta Magna, nos termos do artigo 481, parágrafo único, do CPC. Observe-se, trecho do voto de Rezek, no RE supra citado:

“Está claro, ainda, que a regra do inciso X do mesmo dispositivo constitucional - proibindo qualquer trabalho ao menor de doze anos – foi inscrita na lista das garantias dos trabalhadores em proveito destes, e não em seu detrimento. Não me parece, assim, razoável o entendimento da origem, que invoca justamente uma norma voltada para a melhoria da condição social do trabalhador, e faz dela a premissa de uma conclusão que contraria o interesse de seu beneficiário, como que a prover nova espécie de ilustração para a secular ironia summum jus, summa injuria.”

Sobre o tema, destaque-se parecer que ofereci na qualidade de membro do Ministério Público Federal, no RE 104.654, de 29.01.85:

“A Constituição Federal, em seu art. 165, inciso XVI, assegura ao trabalhador o direito à previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro - desemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado. Trata-se de preceito que concretiza o Estado Social em um dos seus aspectos mais relevantes, outorgando diretamente ao trabalhador o direito à previdência social, nos termos nele explicitados.

8. E como se constata, não se está diante apenas de uma norma que, de forma ampla, tem por escopo dar uma conformação justa e equânime às relações sociais, mas, efetivamente, de princípio assegurador de um direito subjetivo. É o que ensina José Afonso da Silva, in verbis:

‘A Constituição vigente regula diretamente os direitos dos trabalhadores, no art. 165, onde estatui em termos inequívocos: ‘A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei visem à melhoria de sua condição social’. Não parece haver dúvida, todos os direitos constantes dos incisos daquele artigo (salvos os direitos indicados nos itens V e XVIII, ainda programáticos) foram diretamente conferidos pelo constituintes aos trabalhadores reservando-se, além deles, outros que, programaticamente, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social.

Nem se diga que há direitos, entre os previstos, que não podem ser aferidos de imediato , como o da ‘assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva’ (art. 165, nº XV). Pode ser problemático e até difícil o cumprimento' do dever contraposto a este direito. Mas aos trabalhadores corre um reconhecimento de sua exigibilidade, podendo, para tanto, recorrer as vias judiciais, para constranger as instituições de previdência ao adimplemento da prestação assistencial prevista.’ (Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 1982, pp. 178/179).

9. Em face dessas conclusões, cumpre indagar se a eventual nulidade do contrato de trabalho é apta a inviabilizar pretensão aos benefícios previdenciários. De antemão, faz-se mister assinalar que a matéria relativa aos efeitos da nulidade do contrato de trabalho constitui em diversos sistemas jurídicos autêntica vexata quaestio. Alguns autores defendem a aplicação ao contrato de trabalho das concepções civilistas, entendendo que, em caso de nulidade do aludido negócio jurídico, hão de se lhe reconhecer todos os efeitos que lhe atribui o Direito Civil, (Hueck - Nipperdey, Lehrbuch dos Arbeitsrechts, apud Mario de la Cueva, Derecho Mexicano del Trabajo, Mexico, 1969, t. 1, p. 512). Afirma-se, nessa linha de entendimento, que eventual prejuízo do empregado haverá de ser composto mediante a propositura da competente ação de indenização.

10. A doutrina dominante parece perfilhar orientação diversa, sustentando a inaplicabilidade das idéias civilistas em caso de nulidade de contrato de trabalho, porquanto impossível a restituição das partes à situação anterior.

11. O insigne mestre mexicano afirma que os efeitos da nulidade na relação contratual de trabalho podem ser assim resumidos:

a) na hipótese do serviço não se ter iniciado, a nulidade impede a formação da relação;

b) no caso da prestação de trabalho já se ter iniciado, não poderá a nulidade produzir efeitos retroativos com prejuízo para o trabalhador, fundando-se esse entendimento no próprio Direito Civil que também preserva as situações decorrentes dos chamados contratos de trato sucessivo, colocando-os a salvo da destruição retroativa. Tendo o Direito do Trabalho o duplo propósito de cuidar da vida e da saúde do trabalhador e de assegurar-lhe, mediante a proteção do salário, uma posição adequada, a nulidade da relação de emprego se assemelha, nesse aspecto, à rescisão, pondo fim à relação para o futuro.

12. Em outros sistemas jurídicos, como o alemão, problemas oriundos da nulidade do contrato de trabalho têm sido arrostados com fundamento na chamada ‘Doutrina das Relações Contratuais Fáticas ‘(Lehre der faktischen Vertragsverhältnisse’). Tal concepção doutrinária tem o propósito, dentre outros, de oferecer solução adequada às consequências legais oriundas de um contrato nulo, mormente nas chamadas ‘relações de engajamento’ (Eingliederungsverhältnisse’), como nos contratos de sociedade e de trabalho, já que nesses casos a teoria clássica da nulidade dos negócios não se tem mostrado capaz de oferecer soluções adequadas. Entende-se que a execução do contrato não permite que ele seja tido por não verificado (‘ungeschehen’), cuidando-se assim, de uma ‘relação de trabalho fática’(‘faktisches Arbeitsverhältnis’), de uma ‘sociedade de fato’ (‘faktische Gesellschaft’) J. Esser e E. Schmidt , Schuldrecht, Allg. Teil, Heidelberg-Karlsruhe, 1976, pp. 110/116; Werner Flume, Das Rechtsgeschãft Berlim 1979, pp. 95/102; Hans Brox, Allgemeines Schuldrecht, München, 1982, pp. 33/36). Daí considerar essa corrente como válidas (als gültig) as aludidas relações, pelo menos no que concerne ao passado (Esser, Ob. cit., p. 114).

13. Não obstante a ampla aceitação que logrou nos meios acadêmicos e na jurisprudência, a doutrina do ‘contrato fático’ tem sido veementemente criticada, entendendo-se que ela constitui verdadeira ruptura com os princípios basilares da relação contratual (‘Sie hat als eine ‘Atombombe zur Zerstörung gesetzestreuen juristischen Denkens erwiesen(H. Lehmann)’ (Brox , Ob . cit., p. 36; Flume, Ob. cit., pp. 101/102). Sustenta Flume que os sectários dessa orientação parecem ter incidido em equívoco palmar, equiparando a nulidade do negócio jurídico (Nichtigkeit) à sua inexistência (‘Nichtexistenz’) no sentido das ciências naturais (Der nichtige Vertrag ist kein Nicht-Vertrag. (...) Diese Zauberei ergibt sich nur für diejenigen, welche die Nichtigkeit des Rechtsgeschafts als Nichtexistenz im naturwissenchaft lichen Sinne ansehen") (Flume, Ob. cit., p. 102, nota nº14ª). "Entenda-se a nulidade, ao contrário, como invalidade e não se mostra difícil, para aquele que não raciocina de forma doutrinária, limitar a invalidade de maneira justa e apropriada ("Verstekt man dagegen die Nichtigkeit als Nicht-Geltung, so macht es für denjenigen, der nicht doktrinär denkt, keine Schwierigkeiten die Nicht-Geltung in sachgerechter Weise einzuschränken) (Ob. cit., p. 102, nota 14 a).

14. Ensina Flume que, a despeito da invalidade, há de se reconhecer significação jurídica ao negócio que venha sendo executado pelas partes nos casos em que as normas relativas ao enriquecimento sem causa (Bereicherungsrecht) se mostrem inadequadas, como ocorre nos contratos de sociedade, nos contratos de prestação de serviço e de trabalho (Flume, ob. cit., p. 555; Cfr. também Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 1984, t. 47, pp. 469/472)). Nesse contexto, a execução de contrato de trabalho pelo menor de 18 e maior de sete anos (‘beschränkter Geschäftsfähig’) (BGB, § 104, I) mereceu especial atenção do emérito professor da Universidade de Bonn, como se constata na seguinte passagem, in verbis:

‘Constitui entendimento amplamente majoritário que o menor que, sem autorização de seu representante legal, celebra um contrato de trabalho ou de prestação de serviço, tem pretensão ao salário ou à remuneração pela execução do trabalho, como se o contrato tivesse sido eficazmente celebrado, subsistindo seus direitos com fundamento nas normas jurídicas de proteção. Em geral, essa problemática é tratada sob a epígrafe das ‘relações de trabalho fáticas’ (‘faktisches Arbeitsverhältnis’), como uma hipótese da chamada ‘relação contratual fática’ (‘faktisches Vertragsverhältnis’). Como a lei determina a ineficácia de contrato celebrado pelo menor sem a anuência de representante legal tendo em vista precipuamente a proteção do incapaz, não pode corresponder ao sentido do preceito a recusa à legitimidade das pretensões oriundas do contrato, em caso de sua execução (do contrato). Daí porque se deve limitar as conseqüências de ineficácia ao efetivo sentido da lei. Fundamento das pretensões não é apenas o trabalho como fato, senão o próprio contrato.

15. Também no Direito francês, a doutrina e jurisprudência, considerando o caráter sucessivo do contrato de trabalho e a necessária proteção do salário, não tem admitido, em principio, a retroatividade dos efeitos mesmo em casos de infringência a princípio de ordem pública.

16. Da mesma forma, o Direito italiano exclui expressamente a nulidade retroativa nas relações de trabalho, salvo quando advenientes da ilicitude de objeto ou de causa. Tal resulta claro da seguinte observação de Santoro-Passarelli.

17. Também entre nós não parece existir razão para que se atribua efeito retroativo à decretação de nulidade do contrato de trabalho. Na ausência de disposição expressa, como a do Direito Italiano, e à falta de um desenvolvimento doutrinário, no tocante às ‘Relações Contratuais Fáticas’, há de se admitir a legitimidade das pretensões decorrentes da relação de emprego, ainda que esta venha a ser declarada inválida. Do contrário , ter-se-ía a norma protetiva aplicada contra os interesses daquele a quem visa proteger. Esta constitui sem dúvida a única solução compatível com a natureza tutelar do Direito de Trabalho. Nesse sentido, prelecionam Orlando Gomes e Elson Gottschalk, in verbis:

‘A questão da ineficácia do contrato de trabalho seria resolvida em termos tão simples se fôra possível aplicar ao mesmo, com todo rigor, a teoria civilista das nulidades. Mas, a natureza especial da relação de emprego não se compadece com a retroatividade dos efeitos da decretação da nulidade. 0 princípio segundo o qual o que é nulo nenhum efeito produz não pode ser aplicado ao contrato de trabalho. É impossível aceitá-lo em face da natureza da prestação devida pelo empregado. Consistindo em força-trabalho, que implica em dispêndio de energia física e intelectual, é, por isso mesmo, insuscetível de restituição. Se a nulidade absoluta tem efeito retroativo, se repõe os contraentes no estado em que se encontravam ao estipular o contrato nulo, como se não fora celebrado, nenhuma parte tem o direito de exigir da outra o cumprimento da obrigação. Donde se segue que o empregado não tem o direito de cobrar o salário ajustado. Esta seria a consenquência inelutável do princípio da retroatividade da nulidade de pleno direito.

Mas, é conseqüência evidentemente absurda, ainda mesmo se admitindo que o trabalhador possa exigir a remuneração com fundamento na regra que proíbe o enriquecimento ilícito. Porque a verdade à que a retroatividade só teria cabimento se o empregador pudesse devolver ao empregado a energia que este gastou no trabalho. Mas, como isso não é possível, os efeitos da retroatividade seriam unilaterais, isto é, beneficiariam exclusivamente ao empregador, como pondera DE LA CUEVA, ao criticar a opinião de HUECK-NIPPERDEY. Deve-se admitir em toda extensão o princípio segundo o qual trabalho feito é salário ganho. Pouco importa que a prestação de serviço tenha por fundamento uma convenção nula. Em Direito do Trabalho, a regra geral há de ser a irretroatividade das nulidades. O contrato nulo produz efeitos até a data em que for decretada a nulidade. Subverte-se, desse modo, um dos princípios cardeais da teoria civilista das nulidades. A distinção entre os efeitos do ato nulo e do ato anulável, se permanece para alguns, não subsiste em relação a este.’ (Curso Elementar de Direito do Trabalho, 1963, pp. 115/116)

18. Não parece ser outro o entendimento de Arnaldo Sussekind (Comentários à Consolidação das Leis do trabalho, 1964, v. 3, pp. 32/35) e de Amauri Mascaro Nascimento,(Contrato de Trabalho, p. 47)

19. Assim, no caso da execução do contrato de trabalho, há de se considerar legítima toda e qualquer pretensão emanada da relação de emprego, pelo menos no tocante ao passado.

20. No caso em apreço, o v. aresto recorrido considerou que, estando vedado o exercício de atividade laboral, por força de mandamento constitucional, não poderia o INPS ser responsabilizado pelo acidente sofrido por aquele a quem a Constituição impede o exercício do trabalho remunerado (CF, art. 165, X) e, conseqüentemente, a vinculação ao regime previdenciário.

21. Não parece subsistir dúvida de que, ao assim decidir, o Egrégio Tribunal a quo extraiu conclusão contrária ao sentido e ao conteúdo do preceito constitucional. Como já amplamente demonstrado, hão de se reconhecer os efeitos jurídicos relevantes dimanados da referida relação, tendo em vista o fundamento da nulidade, não se podendo aplicar a regra protetiva em desfavor do menor.

22. Acentue-se, outrossim, que não há que se cogitar aqui da responsabilização da Previdência Social por ato ilícito de outrem, mas tão-somente de reconhecer o direito do trabalhador aos benefícios previdenciários, que não decorrem propriamente da higidez da relação de emprego, mas, e sobretudo, da prática do ato-fato-trabalho (CF, art. 165, XVI). É o que se depreende igualmente do magistério de Camerlynk e Lyon-Caen.

A despeito de terem sido elaboradas sob a vigência da Constituição de 1967, parece que essas lições continuam atuais.

Assim, nego provimento ao agravo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário